domingo, 10 de agosto de 2008

Luz


Hoje estou longe da minha Lisboa e percorro a estrada até ao topo do nosso rectângulo mergulhado em água e apanhado por terra. Já vejo as placas com indicações e sinto-me cada vez mais próximo de ti. Finalmente descubro-te atrás do vidro.

Amo Lisboa, mas estou muito longe de lá e tu hoje estás comigo. Espreito pela janela à tua espera e avisto-te. Vens abrindo o caminho de luz até mim.

Saio do carro e sorrio por te ver, corres até mim e abraças-me e eu beijo-te, peço-te que fiques sempre comigo e sussurro-te ao ouvido palavras que sinto e que exiges.

Sais do carro e sorris e desfaço-me das fronteiras materiais e abraço-te. Tu beijas-me e dizes-me o que quero ouvir.

Tu não respondes, apenas entras no meu carro, é a tua resposta sem palavras. Entro também eu no carro e assumo o controlo e tu tornas-te submissa ao caminho que escolho e que acaba por também ser a tua escolha.

Entramos no teu carro e abrimos luz ao caminho que vem à nossa frente. Oiço a música de que gostamos, que preenche os espaços de silêncio quando as palavras não são necessárias. Percorremos a estrada recebida por florestas e descampados. Traças as curvas e segues em frente.

Olhas para a paisagem e eu contorno as curvas e sigo em frente, abandonamos Portugal e a minha Lisboa.

Finalmente saímos de Portugal, entramos no desconhecido desvendado pela estrada contínua e as suas informações. Aqui fala-se outra língua mas o sentimento é igual.

Sigo sempre em frente e apalpo as informações que a estrada me dá. Agora só vejo o horizonte ligado à estrada que nos liga a nós. Sou o que abre caminho e levo-te comigo, em segurança, como uma frágil flor numa cúpula. A estrada é uma recta que acaba num ponto, envolvida do amarelo do trigo e dos girassóis, pisada pelas nuvens a rasgar o turquesa do céu.

A paisagem altera-se ligeiramente e as longas curvas são convertidas em rectas. Os campos de trigo reluzem e os girassóis perseguem o seu amor sem nunca o alcançar, suspiram e desejam-no, quando a noite cai recolhem as suas faces até que o vejam de novo, aí iluminam-se os seus rostos que voltam a perseguir os raios de luz do seu amor até à eternidade. Isto é o verdadeiro amor platónico. Continuamos na nossa estrada, no teu carro com a nossa música.

Mudo a direcção e entro num caminho de terra.

Entras num caminho de terra, avanças mais um pouco e paras.

Paro o carro e mudo a música. A música preenche o nosso silêncio, sabe bem não dizer nada e dizer tudo ao mesmo tempo, este silêncio só fica bem contigo, assim como o branco que te realça a pele e os cabelos compridos de ouro, que se entornam desde a raiz às pontas num caminho contínuo e desenham os limites da tua face.

Mudas a música e olhas para mim e eu vejo tudo. Analiso o brilho dos teus olhos. Tens mais amarelo que azul. Percorro o teu nariz até aos lábios onde compões um sorriso alegrando o teu rosto e torna-se tudo perfeito, pronuncias palavras que me embalam, como uma droga que acalma os músculos, sinto-me bem e leve e esse líquido que flui pelas minhas veias atravessa todo o meu corpo tornando-o imaterial, já estou no céu a abraçar estrelas e atravessei a via láctea, e tu transportas-me de novo a terra com uma carícia.

Os teus olhos caminham em mim, tens azul e uma coroa de amarelo a rodear a íris. Sorrio por te ter comigo e desta vez não o sussurro, lanço-te palavras como notas músicais que tu ouves e que te deixam arrepiada, digo que te amo. Os teus olhos tornam-se vidro e eu acaricio o teu rosto, a tua pele macia.

Sais do carro e abres-me a porta e eu abraço-te, tu envolves-me com os teus braços fortes, asas que me aninham e subimos os dois até a outra galáxia enlaçados por música.

Saio do carro e abro-te a porta. Tu abraças-me e eu protejo-te com as minhas asas. Encosto o meu ouvido nos teus cabelos e mergulho no teu perfume. Sinto-me a flutuar. Levitamos e partimos. E agora estendo esta toalha de linho no chão e deitamo-nos.

E agora deitamo-nos com a face virada para o céu, tal como girassóis, na tolha que estendeste no chão.

Fecho os olhos. Vejo o amarelo do sol a infiltrar-se dentro das pálpebras e a tornar-se num laranja avermelhado. Oiço a música e sinto os teus dedos amaciarem-me o cabelo.

O céu aqui é mais alto e azul, no horizonte reina o turquesa e as nuvens são profundas, rasgadas e entrelaçam-se no céu, como os meus dedos no teu cabelo. A música continua presente tal como o teu perfume que disfarça a tua fragrância natural e eu amo as duas. Tu abres os olhos, reflectem o céu e brilham ainda mais e as tuas pestanas deixam dentes de sombra no azul do céu.

Abro os olhos e vejo o céu azul e beijas-me.

Beijo-te e esquecemo-nos do mundo, não temos corpo, somos duas luzes com mil girassóis que observam a nossa trajectória e a música é o ar.

Já não existo. Sou parte de ti e tu de mim, somos duas luzes que formam um sol e respiro música.

Agora abro os olhos e vejo branco escondido pela sombra e os lençóis destapam o meu sonho. Volto a fechar os olhos.

Quando volto a abrir os olhos vejo a luz que atravessa as persianas deixando marcas de garras amarelas na parede branca. Suspiro e fecho os olhos.

2 comentários:

Pedro Henrique disse...

Olá! Deparei-me com o teu blog por mero acaso e mergulhei como que instintivamente na secção de textos onde me perdi felizmente neste que agora comento. Inebriei-me com as descrições que cultivaste não só frases visíveis ao olhar como nos pedaços soltos que parecem agarrar-se em entrelinhas que só a imaginação consegue discernir! Se o texto é da tua autoria dou-te os meus mais sinceros parabéns e incentivo-te a dar vida a linhas futuras que podem esvoaçar para além do ponto final que lhes foi atribuído.
Pedro

Raquel Póvoas disse...

Oh Ana Luísa...
Tu escreves mesmo muito bem.